Estudo da Folha de São Paulo coloca Picos na rota das fraudes do ENEM

Pesquisa da Folha analisou 3 milhões de gabaritos, das edições de 2011 a 2016


SÃO PAULO , RECIFE e PICOS (PI) – Análise estatística inédita aponta alta probabilidade de ter havido fraude, de diferentes formas, em ao menos 1.125 provas do Enem, exame nacional que seleciona estudantes para universidades públicas no país. 
Essas provas estão dentro de grupos com padrão de respostas tão semelhantes entre si que, estatisticamente, é improvável que não tenha havido algum tipo de cola nesses casos.
Segundo o modelo estatístico desenvolvido pela Folha, a chance de essas provas serem semelhantes apenas devido ao acaso em uma edição do Enem é de no mínimo 1 em 1.000. 
Ou seja, seria necessário repetir o exame mil vezes para que duas provas, sem interferência, fossem tão parecidas como os gabaritos suspeitos.
Investigações conjuntas do Inep (órgão federal responsável pelo Enem) e da Polícia Federal confirmaram até hoje apenas 14 casos de fraude. A gestão Michel Temer diz que usa estatística e outros meios para combater as colas.
O estudo da Folha identificou tanto duplas de provas suspeitas, o que indica algum tipo de cola rudimentar, quanto grupos com até 67 candidatos suspeitos, apontando para um esquema mais sofisticado de transmissão de respostas. 
A pesquisa considera apenas candidatos que ficaram entre as 10% melhores notas, entre as edições 2011 e 2016, o que representa um montante total de 3 milhões de provas analisadas. Com essa pontuação, o candidato consegue ingressar em cursos concorridos como medicina, direito ou administração.
O modelo adotado é mais rígido do que o aplicado em outros estudos que buscaram identificar fraudes em exames e concursos públicos. 
A estatística foi usada, por exemplo, para detectar cola em universidade da Força Aérea dos EUA, ano passado, ou fraude em concurso para vaga na Receita Federal do Brasil.
O Enem cobra 180 questões dos candidatos, com cinco alternativas cada. O levantamento da Folha calculou a probabilidade de duas ou mais provas terem o mesmo padrão de acertos e de erros. 
Foi considerado como altamente suspeito, por exemplo, candidatos que erraram questões marcando a mesma alternativa errada (podiam ter errado escolhendo outras três opções também incorretas).
Outro ponto considerado foi a probabilidade de esses estudantes de alto rendimento errarem questões de dificuldade média ou fácil. Se eles falham nessas perguntas, fica mais improvável que as semelhanças entre as respostas sejam ao acaso, pois espera-se que eles acertem essas questões.
Foram descartadas cinco questões de língua estrangeira, pois os estudantes podem ter padrões diferentes de respostas (eles optam entre inglês e espanhol).
As informações processadas pela Folha são oficiais, chamadas microdados do Enem. O banco mostra todas as respostas de todos os candidatos no exame, onde eles fizeram a prova, onde residiam à época da avaliação e outros dados. 
Nos últimos três meses, a reportagem buscou padrões inesperados nessas respostas.
O banco de dados não mostra nome dos candidatos ou qualquer número de identificação como CPF ou RG.
Cruzando as informações do Enem com as dos ingressantes nas universidades, a reportagem conseguiu identificar um candidato cuja prova está entre as suspeitas.

As dimensões das fraudes do Enem

Essas são as 99 cidades onde foram encontradas provas com suspeitas de fraude com base na comparação das respostas em 2016

jan.2018
No Enem de 2017, um estudante de 27 anos entrou na sala de prova com o celular escondido na cintura e copiou o trecho de um livro na redação
Onde: Bahia
nov.2017
Em provas de anos anteriores, quadrilha passava, de fora, os gabaritos aos candidatos. Em operação chamada de Passe Fácil, foram cumpridos 31 mandados de busca e apreensão e 31 de condução coercitiva
Onde: 13 estados (PE, BA, CE, ES, GO, MA, MG, MT, PA, PI, PR, RS e SP)
nov.2017
Quadrilha fraudava, além do Enem, outros concursos; foram cumpridos 28 mandados de busca e apreensão e 11 de condução coercitiva, com cinco presos
Onde: Ceará, Paraíba e Piauí

set.2017
Treze pessoas foram indiciadas por diferentes tipos de fraudes nas provas de 2015 e 2016; houve casos de candidatos que sabiam o tema da redação previamente, levaram cola escrita ou ainda que fingiram ser sabatistas (religiosos que precisam guardar o sábado)
Onde: Maranhão, Pará, Amapá, Ceará e Piauí

nov.2016
Quadrilha cobrava até R$ 180 mil para passar respostas por meio de ponto eletrônico ligado a um cartão com chip, preso ao corpo, que funcionava como um celular; o candidato confirmava se entendia com uma tosse
Onde: Montes Claros (MG)

                Suspeitos são presos acusados de fraudes no Enem – Reprodução/TV Globo

nov.2014
Grupo também usava esquema do cartão para passar gabarito, a partir de um hotel, por meio de códigos combinados previamente. Havia manual que ensinava como o candidato deveria agir. Uma agenda indicava mais de 160 estudantes que teriam sido aprovados
Onde: Pontes e Lacerda (MT)

INEP DIZ QUE TRABALHA PARA COIBIR FRAUDES E GARANTIR ISONOMIA

Braço do Ministério da Educação responsável pelo Enem, o Inep afirmou que trabalha com a Polícia Federal para coibir fraudes, garantindo a “isonomia entre os participantes”.
O instituto disse que também faz análises estatísticas visando combater fraudes. Quando há suspeitas, os casos são encaminhados à PF, para que prossigam as investigações, pois “o edital do Enem não prevê a eliminação do participante [apenas] por resultados coincidentes”. 
A nota oficial não informou quantos casos foram apontados pelo instituto à polícia.
O Inep afirmou apenas que os casos de fraudes já completamente confirmados pela Polícia Federal “são pontuais”: 14 no total, sendo um candidato em 2013 identificado em Minas Gerais, e 13 identificados pela equipe no Maranhão (3 casos em 2015 e 10 em 2016).
“Esses casos não comprometeram a lisura do exame, a partir da afirmação dos próprios delegados responsáveis pela condução dos inquéritos de que a exclusão dos participantes seria providência suficiente, o que já foi adotado pelo Inep”, disse o instituto.
O órgão afirma que tem aprimorado os sistemas de segurança na prova, como a adoção em 2016 de detectores de metais nos locais de prova e identificação biométrica. E, no ano passado, com detectores de ponto eletrônico. 
“Há outros inquéritos policiais em curso. Caso haja indicação de fraude devidamente formalizada pela autoridade policial, os participantes envolvidos serão eliminados do Enem, sem prejuízo de outras providências”, completou o órgão.
Textos, fotos e infográficos: Folha de São Paulo
Daniel Mariani , Fábio Takahashi , Mariana Zylberkan e Paulo Saldaña

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